segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Estratégia e Planejamento na Gestão Pública



Na gestão pública, os conceitos de estratégia e planejamento são frequentemente utilizados de maneira imprecisa, quase como sinônimos. Essa confusão terminológica pode gerar implicações práticas importantes, uma vez que a compreensão inadequada desses termos tende a limitar a eficácia das políticas públicas e a capacidade de adaptação do setor público às rápidas mudanças da sociedade. Estratégia e planejamento, embora complementares, possuem funções e abordagens distintas que, quando bem articuladas, podem transformar a administração pública em uma ferramenta poderosa de geração de valor social.

O planejamento é uma função essencial da administração pública, respaldada pela Constituição Federal de 1988, que organiza as políticas públicas em três instrumentos principais: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Esses instrumentos estruturam o ciclo orçamentário, articulando metas de longo, médio e curto prazos e garantindo a coerência entre as políticas públicas e os recursos disponíveis.


O PPA (que será elaborado pelas gestões municipais este ano), possui vigência de quatro anos, e estabelece diretrizes, objetivos e metas de governo, garantindo a continuidade administrativa mesmo diante de mudanças de gestão. A LDO detalha as metas anuais e serve como conexão entre o planejamento estratégico do PPA e as ações orçamentárias previstas na LOA, que, por sua vez, aloca recursos para a execução de programas e políticas públicas.


Além disso, há planos setoriais que complementam essa estrutura, como por exemplo o Plano Nacional de Educação (PNE), o Plano Nacional de Saúde (PNS), e seus correspondentes nos estados e municípios. Ademais, há os planos diretores municipais, regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Esses instrumentos orientam ações específicas em áreas como educação, saúde e urbanismo, alinhando políticas públicas aos objetivos maiores de desenvolvimento sustentável.


Estratégia: Flexibilidade e Adaptação


Enquanto o planejamento se concentra na organização de ações, a estratégia é um processo criativo e adaptativo que orienta decisões em cenários dinâmicos e imprevisíveis.


O professor canadense Henry Mintzberg (1994) enfatiza que a estratégia não pode ser reduzida a um plano formal. Para ele, a estratégia emerge de processos que combinam análise, experimentação e aprendizado contínuo. Essa abordagem é especialmente relevante na gestão pública, caracterizada por frequentes crises, mudanças políticas e demandas sociais nem sempre previsíveis .


A estratégia, nesse sentido, não busca controlar o futuro, mas preparar os governos para responder de forma ágil às mudanças. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, os governos (nas três esferas federativas) precisaram redefinir prioridades estratégicas e alocar recursos emergenciais, demonstrando que, em cenários incertos, estratégias flexíveis são mais eficazes do que planos rígidos.


Planejamento Estratégico: Um Oximoro?


O termo "planejamento estratégico" é frequentemente descrito como um oximoro — a combinação de palavras que parecem contraditórias. Planejamento, por natureza, é estruturado, enquanto estratégia requer criatividade e flexibilidade. Essa contradição aparece em muitos contextos governamentais, nos quais o planejamento estratégico é tratado como um exercício burocrático, com etapas rígidas e metas engessadas, que acabam sufocando o pensamento estratégico holístico e genuíno.


De acordo com o professor brasileiro Jackson De Toni (2016), o planejamento estratégico no setor público deve ir além de um documento formal; ele precisa ser um processo contínuo e adaptativo, envolvendo análise crítica, participação social e avaliação periódica. Essa abordagem é essencial para alinhar metas de longo prazo às realidades mutáveis do presente.


O Plano Nacional de Educação: Colaboração e Estratégia


O Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei nº 13.005/2014, é um exemplo emblemático de planejamento estratégico na gestão pública. Vigente para o decênio 2014-2024, o plano estabelece 10 diretrizes e 20 metas, como a universalização do ensino fundamental, a ampliação da educação infantil e a valorização dos profissionais da educação. Além disso, o PNE adota o regime de colaboração federativa, exigindo que União, Estados, Distrito Federal e Municípios trabalhem juntos para alcançar seus objetivos.


Essa abordagem colaborativa é fundamental para lidar com as desigualdades regionais no Brasil. Ao promover a cooperação entre os entes federativos, o PNE busca garantir maior equidade no acesso à educação e melhorar a qualidade do ensino em todo o território nacional.


O PNE também destaca a importância do monitoramento e da avaliação contínuos. Esses mecanismos permitem que os gestores públicos acompanhem o progresso das metas e ajustem estratégias com base nos resultados alcançados. Por exemplo, se uma meta de alfabetização infantil não estiver sendo atingida, é possível redirecionar recursos ou modificar abordagens pedagógicas. Essa lógica adaptativa ilustra como estratégia e planejamento podem se complementar.


O Plano Nacional de Logística e Seus Marcos Legais


Outro exemplo de planejamento estratégico é o Plano Nacional de Logística (PNL), regulamentado pela Lei nº 12.379/2011, que define as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. O PNL busca modernizar a infraestrutura logística brasileira, promovendo a integração entre rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Com um horizonte de planejamento de longo prazo, o plano utiliza ferramentas de análise estratégica para identificar gargalos logísticos e propor soluções que aumentem a competitividade do país.


Ao integrar diferentes modais de transporte, o PNL exemplifica como o planejamento estratégico pode alinhar políticas setoriais a objetivos nacionais, como o crescimento econômico sustentável e a redução de custos logísticos.


A importância da liderança estratégica


A liderança é o elemento central para transformar estratégias bem delineadas e planejamentos detalhados em resultados efetivos para a sociedade. Em um cenário público, liderar vai muito além de gerir recursos ou supervisionar equipes; trata-se de articular interesses diversos, inspirar coletivos e promover a mobilização de esforços em direção a objetivos compartilhados. Líderes públicos precisam compreender a complexidade de sua posição, equilibrando demandas imediatas com uma visão de longo prazo, como destacam Bovaird e Löffler (2021). Essa articulação é crucial para evitar que as metas institucionais se tornem apenas intenções desconectadas da realidade.


Além disso, a liderança no setor público demanda habilidades específicas para lidar com crises e incertezas, características frequentes no ambiente governamental. A capacidade de tomar decisões estratégicas em contextos de alta pressão, como observado durante a pandemia de COVID-19, reflete a importância de uma liderança que combina adaptabilidade e clareza de propósitos. Um líder estratégico não apenas responde às circunstâncias, mas também antecipa desafios e conduz equipes a inovar e a buscar soluções criativas para problemas complexos. Nesse sentido, a liderança pública deve ser ancorada em valores éticos e no compromisso com o interesse coletivo.


A liderança estratégica se concretiza por meio da construção de uma cultura organizacional alinhada aos objetivos públicos e sustentada pela colaboração. Promover uma cultura de transparência, participação e engajamento é essencial para que o planejamento e a estratégia se integrem à dinâmica cotidiana das organizações públicas. Líderes que conseguem construir pontes entre diferentes níveis hierárquicos e entre governo e sociedade civil tornam-se agentes de transformação, possibilitando que a gestão pública não apenas cumpra suas metas, mas também alcance resultados que realmente impactem a vida dos cidadãos.


Planejamento Estratégico: Presente e Futuro


Para fortalecer o impacto das políticas públicas, os governos precisam repensar sua abordagem ao planejamento estratégico. Em vez de tratá-lo como um exercício formal e isolado, é necessário integrá-lo ao dia a dia da administração pública, promovendo o pensamento estratégico em todos os níveis.

Isso exige uma mudança cultural, com foco na capacitação dos gestores, no uso de tecnologias modernas de análise e na promoção de uma cultura de participação e transparência. Além disso, é imprescindível adotar mecanismos de avaliação contínuos que permitam ajustar as estratégias conforme necessário, sem perder de vista os objetivos de longo prazo.


Integração e Transformação


Na gestão pública, estratégia e planejamento são conceitos distintos, mas complementares. O planejamento organiza ações e detalha "como" elas serão executadas, enquanto a estratégia orienta as prioridades e responde às perguntas "o quê" e "por quê". Quando usados de forma integrada, esses instrumentos ajudam governos a enfrentar desafios complexos e promover políticas públicas que gerem valor para a sociedade.


Repensar o papel da estratégia e do planejamento exige uma abordagem crítica. Não basta apenas cumprir metas ou seguir etapas predefinidas; é necessário criar políticas públicas que sejam capazes de se adaptar ao presente, antecipar desafios futuros e, acima de tudo, atender às reais necessidades da população.


Não é simples, mas é indispensável: estratégia e planejamento exigem visão, adaptação e compromisso com o futuro, pois somente assim a gestão pública poderá transformar desafios em oportunidades e entregar resultados que gerem valor para a sociedade.


Referências


  1. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.

  2. BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.

  3. BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Plano Nacional de Educação. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.

  4. BRASIL. Lei nº 12.379, de 6 de janeiro de 2011. Política Nacional de Mobilidade Urbana. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.

  5. BOVAIRD, Tony; LÖFFLER, Elke. Gestão Estratégica no Setor Público. Oxford: Routledge, 2021.

  6. DE TONI, Jackson. O Planejamento Estratégico Governamental: Reflexões Metodológicas e Implicações na Gestão Pública. Curitiba: Intersaberes, 2016.

  7. MINTZBERG, Henry. The Rise and Fall of Strategic Planning. New York: Free Press, 1994.