* Alisson Diego Batista Moraes
** Artigo originalmente publicado no site Consultor Jurídico - Conjur, em 05 de agosto de 2023. Link para acesso ao artigo original: Conjur - Alisson Moraes.
Durante os cinco anos de graduação em Direito, não tive a oportunidade de estudar, sequer superficialmente, a temática das políticas públicas e a sua interface com o universo jurídico. Nem ao menos me lembro de a expressão “políticas públicas” ter sido, em algum momento, abordada ao longo dos dez períodos de faculdade. Nesta terceira década do século XXI, muitos discentes já compreenderam que não é possível conceber, adequadamente, a missão do Direito na contemporaneidade sem, necessariamente, incluir as discussões conceituais acerca das políticas públicas e suas correlações seminais com o âmbito jurídico.
As faculdades de direito, mais notadamente as cátedras de Direito Administrativo e Direito Constitucional, ao omitirem essa temática, provocam um déficit formacional significativo nos futuros operadores do direito. Este breve artigo almeja instigar esse debate e despertar o interesse dos leitores do Conjur para esta relação, muito mais necessária e essencial do que se pode imaginar. Há cerca de um ano, tenho ministrado aulas na disciplina “Contexto Jurídico-Político e Gestão na Administração Pública Contemporânea” na pós-graduação lato sensu em Direito Administrativo da PUC-Minas. O curso se sustenta em três pilares: 1) a governança e a gestão, compreendidas como sistemas que visam ao alcance de objetivos previamente definidos, com a consequente eficientização da administração pública; 2) perspectivas sociopolíticas acerca dos desafios da democracia no Brasil e no mundo; e 3) o modo pelo qual o ordenamento jurídico brasileiro e, especialmente, o Direito Administrativo se vinculam aos outros dois pilares.
Banco de imagens - Pixbay / 2023. |
O conteúdo programático da disciplina traz uma unidade inteiramente dedicada à interface entre o Direito e as políticas públicas (abrangido no primeiro pilar explicitado no parágrafo anterior), apresentando autores clássicos do campo multidisciplinar das políticas públicas, a evolução dessa conceituação, desde a década de 1950, e algumas das discussões contemporâneas mais candentes sobre a interface entre essas duas áreas do conhecimento.
Compreender a temática exige examinar a diferenciação entre as políticas públicas e as políticas governamentais, a definição de problema público, os conceitos sobre as macrodiretrizes estratégicas – e sua subdivisão tática e operacional em programas, projetos e ações - inseridas na esfera do planejamento governamental, além de analisar o papel das legislações orçamentárias na consecução das políticas; bem como investigar, criticamente, a ambiência geratriz delas, na qual os interesses, as preferências e as ideias sobre as políticas públicas se materializam, impactando na condução política da sociedade.
Outro aspecto relevante a ser conhecido pelos operadores do direito diz respeito ao processo de elaboração de políticas públicas ou policy making process (também conhecido como Ciclo de Políticas Públicas). Trata-se de um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes. Seu proponente precursor foi o cientista político estadunidense Harold D Lasswell no livro The Decision Process , posteriormente revisto, criticado e aprimorado por diversos autores até os dias atuais. Uma das formatações mais aceitas no Brasil considera que estas são as etapas do ciclo (SECHI, 2022): 1) Identificação do problema; 2) Formação da agenda; 3) Formulação de alternativas; 4) Tomada de decisão; 5) Implementação; 6) Avaliação; e 7) Extinção.
Nota-se, desde a primeira etapa do ciclo de políticas públicas até a última, a indispensabilidade da atuação do operador do direito. Não apenas para forjar uma linguagem jurídica aos atos emanados pela Administração Pública (revestindo-os de legalidade) como também para a observância legal e constitucional do mérito das políticas públicas – a partir a identificação do problema público e o método desta identificação, até a extinção da política pública. A interface entre o Direito e as Políticas Públicas, portanto, precisa ser vista, holisticamente, tendo como fundamento o próprio cumprimento dos desígnios constitucionais:
Como um campo relativamente novo, as relações entre o direito e as políticas públicas no Brasil foram exploradas, visionariamente, na década de 1990, por Maria Paula Dallari Bucci ; ainda que o foco da professora tenha sido majoritariamente o direito administrativo e não amplamente o direito concebido holisticamente. Desde então, o número de publicações sobre a temática correlacionada tem expandido significativamente; reunindo, atualmente, livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado, além de dezenas de artigos científicos.
Há de se ressaltar, contemporaneamente, o protagonismo do Grupo Direito e Políticas Públicas (GDPP) da USP, responsável por promover um debate acadêmico fundamental sobre o papel do direito na implementação das políticas públicas, objetivando examiná-las sob a ótica jurídica para torná-las mais efetivas e democráticas, na esteira do mister constitucional. O GDPP foi criado pela Faculdade de Direito da USP em 2007, e tem contribuído ativamente para esse incipiente diálogo no Brasil, possibilitando o aclaramento das relações entre o arcabouço jurídico e a atuação dos profissionais do direito nas políticas públicas.
Numa interpretação exegética extensiva (e correta, a nosso ver) do artigo 133 da Constituição Federal, o advogado precisa ser compreendido como um profissional indispensável à manutenção e ao aprimoramento da própria ordem democrática. Assim, o operador do direito (para além mesmo do próprio advogado) deve, imprescindivelmente, não apenas conhecer sobre as políticas públicas, mas também atuar no sentido de seu aperfeiçoamento constante – o que, por si só, revela-se conditio sine qua non para a evolução do Estado Democrático de Direito, uma conceituação tão utópica quanto necessária para a realização do mister constitucional de se construir, no Brasil, uma sociedade livre, justa e solidária, conforme dispõe o legislador constituinte no artigo 3º, I da Carta Magna.
REFERÊNCIAS
BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Artigos 3º, I e 133.
LASSWELL, Harold. The Decision Process: Seven Categories of Functional Analysis. College Park: University of Maryland, 1956.
SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2022. Valle, Vanice Regina Lírio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
XIMENES, Julia Maurmann. Direito e políticas públicas / Julia Maurmann Ximenes. – Brasília: Enap, 2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário