Foto com o Manto da Massa. Novembro de 2021. |
Não há nenhum grito entalado na garganta.
Não há nenhum choro cinquentenário represado.
Conquistasse agora ou não conquistasse nunca o bicampeonato brasileiro, a minha atleticanidade (e a de milhões de torcedores do Atlético espalhados pelo planeta Terra) não diminuiria sequer 1%.
Isso porque não é por título, é pela história, não é por glória, é pela memória, não é por emoção, é pelo sentimento, não é por pompa, é pela identidade. Identidade que não se basta mineira, tem de ser mineiríssima e estampada do lado esquerdo no peito. Porque só há Clube Atlético se for Mineiro.
Eu confesso que não escolhi ser atleticano na infância. Não são possíveis tais escolhas em tenra idade, a psicologia nos ensina. Foi o meu pai que escolheu por mim. Para ficar perto dele e sentir proteção e acolhimento paternos, comecei a nutrir incomum afeto pelo futebol jogado pelo alvinegro mineiro. Passei a acompanhar regularmente as sagas futebolísticas atleticanas ao lado de meu pai, pelas ondas de um lendário Motoradio preto dos anos 80, movido a seis pilhas grandes e que meu pai carregava para todo lado, não apenas para ouvir os jogos do Galo, mas também para acompanhar os programas esportivos da Rádio Itatiaia. A principal lembrança que nutro de minha infância é esta: final do dia, meu pai com semblante cansado da rotina bancária, no banheiro fazendo a barba e ouvindo as notícias do Galo na Itatiaia naquele inseparável Motoradio.
O afeto filial logo se transformou em um indestrutível sentimento. Sentimento mesmo porque superior à emoção momentânea e frágil. Sentimento porque envolto em alto grau de componente cognitivo e lastreado em múltiplas conexões. Se a emoção é a reação, o sentimento é construção. Se a emoção é a passionalidade, o sentimento é a amabilidade. Amor dura, emoções passam. Por isso, o atleticano não é um torcedor apaixonado como a maioria dos torcedores. O atleticano é, antes de tudo, um amante. Ama seu time, sua terra, a história e cultiva essas sentimentalidades diariamente.
Naqueles primeiros anos de vida, tomei um caminho sem volta: Sem capacidade de racionalizar o que significava aquela fase da vida, eu me tornara, de fato, um atleticano - sentimento único e expresso no verso de Vicente Motta: “uma vez até morrer”.
Com o passar dos anos, mas ainda na pré-adolescência, todo aquele sentimento se transformou em uma escolha - porque, no fim das contas, ao ser humano cabe sempre escolher. Não há (ou não deve haver) grilhões que nos prendam a nada. Foi uma das mais felizes, fiéis e fabulosas escolhas de minha vida. Escolhi ser contracorrente naquele momento no qual o Galo não tinha excelentes perspectivas e enfrentava anos bastante difíceis, não sem destemor e convicção inabaláveis. Se algum dia da minha vida eu pensei em abandonar o Atlético? Nunca. Infidelidade não combina com atleticano.
À medida que eu crescia, reafirmava a minha opção atleticana. Minha atleticanidade só fez crescer quando fui conhecendo a história do meu time: nem bretão, nem ítalo-brasileiro, mas brasileiro mesmo! Essencialmente mineiro, orgulhosamente belorizontino, dotado de sublime autenticidade desde sua gênese.
Quando caímos para a série B, renovei, com todas as minhas forças, a minha relação com o Clube Atlético Mineiro. Era Minas Gerais que havia caído. Era toda uma nação que, entre lágrimas, cantava o hino do time no pior momento da história e sofria com o descenso; sem perder o brio, a dignidade e a esperança. Jamais me esquecerei daquela partida contra o Vasco. No Mineirão lotado, nem uma cadeira quebrada, nem um xingamento, nem uma lata de cerveja arremessada. Apenas pranto e esperança. Ao final do jogo, lembro-me que o ônibus do time foi cercado pela torcida, não para brigar contra o leite derramado, mas para cantar o hino e apoiar mais uma vez a equipe. Nem a tristeza mais dolorosa foi capaz de afastar a Massa de seu time.
Aprendemos, desde muito cedo, que tanto na vida quanto nos gramados é preciso “lutar, lutar, lutar, com toda nossa raça pra vencer”. E como lutamos, time e torcida, Massa e Manto, juntos! Como não poderia deixar de ser, o Atlético subiu no ano seguinte numa campanha mágica e com a torcida, mais uma vez, demonstrando porque é especialmente única.
Todos os atleticanos sabemos muito bem que o Clube Atlético Mineiro, o nosso amado Galo, nunca significou apenas uma paixão por um clube de futebol. É muito mais que isso. Sempre foi muito mais que isso.
Quando o meu pai dessa existência partiu, inesperada e dolorosamente, em 2013, o meu maior alento foi que ele viu o título da Copa Libertadores da América vencida heroicamente pelo Galo. A vitória ocorreu apenas algumas semanas antes de sua precoce partida. Nunca o vi tão feliz em toda a minha vida. Aquele título foi o verdadeiro e consolador canto do cisne.
Definitivamente, não é sobre 11 homens correndo atrás de uma esfera de ar revestida por couro sintético.
Então é sobre o quê?
É sobre o Mineiro estampado no peito, é sobre nossa Minas Gerais que tanto amamos, é sobre origens comuns, é sobre aprendizados e superação, é sobre autoafirmação e sociabilidade, é sobre o sangue de meu pai e meus avós que corre, geneticamente alvinegro, em minhas veias latinas, é sobre resiliência e amor - genuíno, desmedido, ilimitado amor.
É ainda sobre brasilidade em nosso sangue e a mineiridade em nossa alma.
No fim das contas tudo advém da mesma fonte: do amor. É sobre amor. Sempre foi.
O futebol nos ensina isto: o ser humano é capaz de superar, se emocionar e, humanamente, sentir. Não há salvação onde não há sentimento. E ser Atleticano é transbordar sentimento!
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