quinta-feira, 29 de julho de 2021

Zuzu, Henrique e Paulo: Centenárias Inspirações

Zuzu Angel, mineira de Curvelo

   

    Dizem que o povo brasileiro tem a memória curta. Ao menos é isso o que ouvimos desde crianças. Essa afirmação serviria para justificar, dentre outras desvirtudes, porque votamos em velhos políticos ineptos e/ou corruptos e porque temos tão poucos museus e centros de memória (dos 5.565 municípios brasileiros, cerca de 80% não têm sequer um museu).

    Falta-me um estudo consistente para refutar ou aquiescer com essa história de memória curta do nosso povo, mas pela via das dúvidas, quero aproveitar a minha volta aos quadros deste jornal para lembrar de três formidáveis compatriotas que merecem ser rememorados e contumazmente homenageados neste ano, em celebração ao centenário de seus nascimentos. São eles: Henrique Cláudio de Lima Vaz, Paulo Reglus Freire e Zuzu Angel. Um dos maiores filósofos de seu tempo, o maior educador brasileiro e a maior estilista da história de nosso país respectivamente – três personalidades que iluminaram as suas áreas de atuação e se tornaram verdadeiros ícones para o mundo. Mais circunstanciadamente podemos dizer que são dois mineiros e um pernambucano, geográficas identidades irrenunciáveis por detrás de suas brasilidades. 

    Zuzu Angel, mineira de Curvelo e criada em Belo Horizonte, nascida em 05 de junho de 1921, foi uma das maiores estilistas de seu tempo. Gostava de ser chamada de “costureira” para romper com os preconceitos com que a profissão era tratada em sua época. Recebeu elogios dos maiores críticos do mundo da moda por sua ousadia e por mostrar a brasilidade nas vestimentas, antes eclipsada pela alta costura francesa. Tornou-se ícone não apenas pela fama de estilista, mas, sobretudo, por seu engajamento político. Ela e seu filho, Stuart Jones, foram assinados cruelmente pela ditadura militar brasileira. 

    Sua história está imortalizada nos versos e na voz de Chico Buarque, na bela e triste canção Angélica (1977): “Quem é essa mulher / Que canta sempre esse estribilho / Só queria embalar meu filho / Que mora na escuridão do mar”. Chico também imortalizou a história de Stuart na imortal letra da canção Cálice (1978): "Quero cheirar fumaça de óleo diesel / Me embriagar até que alguém me esqueça" – versos que fazem referência à forma como Stuart foi torturado e morto: arrastado por uma corda amarrada a um jipe militar pelo pátio da Base Aérea do Galeão, com a boca encostada junto ao cano de descarga até morrer, aos 25 anos, em junho de 1971. 

    Ouro Preto, a eterna capital das Minas Gerais e berço da Inconfidência Mineira, embalou o nascituro Henrique Cláudio de Lima Vaz em 24 de agosto de 1921. O padre jesuíta e professor da UFMG se tornou um dos ícones da filosofia brasileira do século XX. Para ele, a filosofia não poderia ser compreendida tão somente como um exercício intelectual, mas deveria ser tomada como um modo de vida, que confere a quem o exerce grande responsabilidade social. Lima Vaz forjou uma filosofia harmonizada com o humanismo personalista cristão. Autor prolífico de grandes obras filosóficas e de inúmeros artigos em diferentes áreas da filosofia, o ouro-pretano inspirou e segue a inspirar grande número de pensadores. 

    O educador e intelectual Paulo Freire nasceu na capital pernambucana em 19 de setembro de 1921 e dedicou a sua existência a elaborar um método educacional baseado na emancipação popular. Freire, muito atacado e pouco compreendido pela neodireita protofascista e delirante brasileira, é considerado um dos maiores educadores do século XX e o brasileiro com mais títulos honoríficos nas universidades do mundo inteiro. Nas décadas de 60 e 70, Freire trabalhou nos Estados Unidos e na Suíça: foi professor na Universidade de Harvard e atuou no Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra. Não custa lembrar: onde o método freiriano tem sido aplicado contextualizadamente, a educação tornou-se referência internacional. É o caso da cidade de Sobral, no Ceará, que ostenta o título de melhor educação pública do Brasil, com invejáveis índices educacionais europeus. 

    Zuzu, Henrique e Paulo são brasileiros admiráveis. Se as suas surpreendentes histórias não forem capazes de nos inspirar a construir um mundo melhor, é porque, talvez, alguns de nós já não tenhamos apenas memórias curtas, mas caracteres vacilantes.


* Alisson Diego Batista Moraes - artigo publicado no Jornal Cidades (editado em Itaguara/MG) em agosto de 2021.

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