Recebo uma incumbência da curadoria de nossa Biblioteca Pública Guimarães Rosa em Itaguara: escrever um texto em comemoração aos 50 anos de existência deste nobre espaço cultural. Ei-lo:
Quando penso em nossa Biblioteca, recordo, dentre outras ternas lembranças, dos ensaios que lá fizemos com o Grupo de Teatro Vidas em Artes. Eu era um guri de apenas 16 anos de idade e a Biblioteca representava o espaço mágico da leitura e da representação. Era como se os livros ganhassem vida plena em nossas interpretações teatrais. Aprendi, desde aquela época, que uma biblioteca é muito mais do que um mero espaço onde se guardam e se emprestam livros. É, em essência, um ambiente de generoso convívio sociocultural.
Bibliotecas são lugares onde as ideias não aceitam grilhões. São espaços do tríplice diálogo: com o livro, com nós mesmos e com o outro. São redutos dos pensamentos, das reflexões, das pesquisas, das transformações do sujeito. Uma biblioteca é, em essência, o ambiente da autonomia do raciocínio e da aprendizagem em sua multiplicidade de significados.
Percebo uma biblioteca como um voo da imaginação humana pelos infinitos céus do conhecimento - e como não há biblioteca sem educação, ao celebrar os 50 anos de nossa célebre Biblioteca Pública Guimarães Rosa, que jamais nos esqueçamos da necessidade de uma educação pública cada vez mais emancipadora. Lutar por isso é um dever que nos cabe a todos.
Às vezes, alguns futurólogos proclamam o fim dos livros físicos e a supremacia dos livros digitais, o que poderia significar o fim de bibliotecas e livrarias. Estou convicto de que isso não ocorrerá, mas ainda que aconteça, jamais significará o fim das bibliotecas, dentre outras razões, porque uma biblioteca nunca foi e nunca será um mero depósito de letras encadernadas. A Biblioteca representa, ao lado das escolas e de nosso museu, um templo vivo de convivência, de memória, de cultura, de educação e de nossa incessante formação ao longo de toda a existência. Neste sentido, ensinou-nos Paulo Freire: “não é possível ser gente senão por meio de práticas educativas. Esse processo de formação perdura ao longo da vida toda, o homem não para de educar-se, sua formação é permanente e se funda na dialética entre teoria e prática”.
Em tempos nos quais se celebram a ignorância e a tosquice, a Biblioteca é um valoroso símbolo de nobre resistência ao proclamar o amor ao conhecimento, à literatura e à humanidade. Não vamos ser derrotados pela ignorância. Não! Não aceitamos isso porque temos em nosso sangue a resiliência dos cataguás e a força de nosso padrinho que nomeia o espaço: João Guimarães Rosa, o imortal mestre da metafísica do sertão.
Por falar no Rosa, dentre as milhares de geniais frases dele que podem ser citadas nesta ocasião jubilosa, fico com uma quase clichê, mas singularmente elucidativa: “O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita”. Onde há vida, há cultura, formação e aprendizado. Onde houver uma biblioteca, haverá esperança na humanidade!
Pensando em leitura e educação como pontes para a libertação da humanidade, lembro-me de uma canção do Zé Geraldo (Voar, Voar). Numa das estrofes, diz o poeta mineiro:
“Descobrir o que há por trás do muro
O presente já é quase passado
Voar pra buscar futuro
Voar, voar, voar”.
Não há analogia mais profícua para a leitura. Ler é voar, descortinar horizontes, superar o presente que nos oprime e buscar futuros. Vida longa à nossa memorável Biblioteca Pública Municipal Guimarães Rosa!
Pública! Rosiana! Emancipadora!
Alisson Diego Batista Moraes, 35, advogado, bacharel em Filosofia pela UFMG, MBA em Gestão de Empresas pela FGV. Foi prefeito de Itaguara entre 2009 e 2016 e, atualmente, ocupa a função de Secretário de Mobilização do Diretório Estadual do Partido Verde.
* Artigo publicado no Jornal Cidades em maio de 2020.
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