Uma das pessoas mais interessantes que conheci até hoje foi Dona Rute Abreu Lara. Desde os meus 15 anos passei a frequentar a sua casa, motivado pelas conversas demoradas com o amigo Rui Lara. Acabei me tornando privilegiado por poder conviver também com Dona Rute.
Quando chegava em sua casa, a professora sempre me recebia com a frase: "Bem vindo guerreiro branco à tribo dos tabajaras". Achava eu que era um chamamento criado genericamente para todos que ali fossem, mas depois percebi que era a mim especificamente que ela se referia. Depois de um tempo, com a curiosidade aguçada (ainda não havia a facilidade do Google), perguntei-a: O que significa essa frase, Dona Rute? Por que me chama de "guerreiro branco"? "Ora menino, não sou eu... Isso é José de Alencar, em Iracema. Não sei porque, mas você me faz lembrar o guerreiro branco", disse a leitora nonagenária. Riríamos muitas vezes disso.
Conversar com Dona Rute significava sempre um aprendizado novo. Já no alto dos seus 94 anos, certo dia declamou integralmente o texto de uma carta que um namorado lhe enviara, nos fim dos anos 30. Memória privilegiada, mas não era saudosista. Nunca a vi falar do passsado com saudades em demasia. Gostava do presente, era uma mulher de seu tempo. Vivia a atualidade, obviamente sem se esquecer do que vivera.
Discutia literatura, português (corrigia sempre os escorregões com o vernáculo), religião e atualidades com muita propriedade. Aliás, em aspectos filosóficos e religiosos, Dona Rute tinha uma visão bastante interessante e peculiar e me chamava muito a atenção.
Mas a vida é assim não é? Um ciclo natural, uma grande estação, onde chegam muitos e outros se vão. Dona Rute partiu nesta manhã no alto de seus 97 anos. Deixa-me além de saudades, ensinamentos valiosos e lembranças inesquecíveis.
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