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Lula e Bolsonaro. Foto: AP Photos |
Analisar o primeiro ano dos mandatos de Lula e Bolsonaro é uma tarefa um tanto quanto árdua, mas plenamente viável, considerando a disponibilidade de vários indicadores e análises críticas de diferentes órgãos. Neste texto, realizarei uma breve análise comparativa, utilizando uma seleção de uma centena de indicadores ( de fontes oficiais) apresentados pela Folha de São Paulo e desde 2019 (além de outros dados verificáveis), para contrastar o primeiro ano do governo Bolsonaro com o primeiro ano do governo Lula em 2023.
Dada a limitação de espaço e a necessidade de concisão, não é possível abordar todos os indicadores individualmente. Portanto, serão examinados indicadores de seis áreas específicas: Economia e Política Fiscal; Saúde; Meio Ambiente; Segurança Pública e Rodovias; Educação e Relações Internacionais.
Dentre uma vasta gama de indicadores, o governo Lula apresentou melhorias em 66 deles, pioras em 20 e estabilidade em 13. No primeiro ano de Bolsonaro, foram registrados 58 indicadores com saldo negativo, 41 com melhorias e cinco estáveis. Sem expressar opiniões, os dados são claros: o primeiro ano do governo Lula superou o desempenho do seu antecessor. Vejamos:
Economia e Política Fiscal
No primeiro ano de Bolsonaro, embora tenham sido observadas algumas melhorias em indicadores como inflação e taxa básica de juros (a Selic começou 2019 em 6,5% e atingiu 4,5% em dezembro, a menor taxa desde a implantação do regime de metas, em 1999), houve problemas em relação à balança comercial e ao déficit nas contas externas (rombo de R$ 218, 3 bilhões - o maior desde 2015).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, encerrou o ano de 2019 com um déficit de R$ 95 bilhões nas contas públicas, descumprindo flagrantemente a sua promessa de eliminar completamente o déficit no primeiro ano de governo. O número de brasileiros na informalidade subiu 3,2% no primeiro ano de Bolsonaro, o maior nível desde 2015.Entre os indicadores positivos em 2019, destacaram-se o avanço da Bolsa, que atingiu 115 mil pontos em dezembro daquele ano, além de um aumento do consumo das famílias e a redução do risco-país de 207 para 99 pontos. A taxa básica de juros da economia alcançou 4,5% naquela ocasião. O PIB brasileiro cresceu 1,2% naquele ano.
No primeiro ano do governo Lula 3, o país experimentou um crescimento significativo do PIB, impulsionado por políticas voltadas para o mercado interno e pelo setor agropecuário . Importante relembrar que, no final de 2022, o Fundo Monetário Internacional (FMI) havia previsto uma desaceleração na economia brasileira, com um crescimento de apenas 1% em 2023 (alguns analistas internos projetavam um crescimento menor que 1%). Os resultados no primeiro ano, no entanto, foram bastante diferentes com um crescimento econômico de 2,9% e uma taxa de desemprego abaixo de 8%, o menor nível desde agosto de 2014. Ademais, o número de trabalhadores com carteira assinada no país alcançou o maior índice desde janeiro de 2015, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As contas externas, por sua vez, registrarem déficit de US$ 28,6 bilhões, queda de 40,7% em relação a 2022, último ano do Governo Bolsonaro.
Dentre as medidas aprovadas pelo Congresso Nacional em 2023, um duplo destaque: o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. O primeiro, ao substituir o anterior teto de gastos, estabeleceu uma diretriz clara para a gestão das contas públicas, fornecendo um norte seguro para as políticas econômicas. Por sua vez, a reforma tributária, discutida ao longo de três décadas, despontou como um marco crucial, pois possui o potencial não apenas de simplificar o sistema fiscal, mas também de impulsionar o crescimento econômico.
O ponto negativo ficou por conta do resultado deficitário de 230 bilhões nas contas públicas, atribuídos à herança do governo anterior, que não realizou o pagamento de precatórios, além de ter promovido desonerações fiscais por motivações eleitorais.
Educação
O Ministério da Educação (MEC) enfrentou desafios políticos e operacionais em 2019, com a substituição de Ricardo Vélez Rodriguez por Abraham Weintraub, cuja gestão foi marcada por uma postura ideológica agressiva. Os cortes de investimentos resultaram no cancelamento de bolsas de pesquisa e impactaram negativamente a educação básica e superior. Apesar de alguns indicadores positivos, como o aumento das matrículas em creches e escolas integrais, isso foi atribuído a esforços de estados e municípios.
De acordo com dados do Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE (Plano Nacional de Educação), em 2019 houve estagnação em várias áreas educacionais e uma clara piora em outras.
Positivamente, o número de contratos do Fies (Financiamento Estudantil do Ensino Superior) aumentou em 2019 em comparação com o ano anterior, indicando uma possível ampliação do acesso ao ensino superior. Além disso, o MEC aumentou os repasses para a instalação de banda larga nas escolas, o que pode contribuir para uma melhoria na infraestrutura tecnológica e no acesso à informação nas instituições de ensino.
Esses pequenos avanços foram contrastados por uma série de retrocessos como os cortes nos investimentos federais em educação básica. Os gastos com ensino superior também caíram, afetando diretamente as universidades federais, que enfrentaram um congelamento de recursos.
Além disso, o governo Bolsonaro abandonou ou reduziu o apoio a programas essenciais para a alfabetização, como o Mais Alfabetização e o Programa Brasil Alfabetizado. Também houve redução nos repasses diretos para as escolas, que afetaram a infraestrutura e o apoio pedagógico oferecido aos alunos. Os recursos também diminuíram para investimentos em obras de acessibilidade e instalação de água nas escolas.
Houve, ainda, uma redução na oferta de bolsas integrais e presenciais do Prouni, fundamentais para garantir o acesso à educação superior para os mais pobres. Os cortes também atingiram a pós-graduação, com uma diminuição nas bolsas de pesquisa financiadas pela Capes.
O governo Lula, por sua vez, apresentou melhoras em 8 dos 10 indicadores avaliados na área da educação. Além da recuperação orçamentária abrangendo desde a educação infantil até a pós-graduação, foram implementados programas estratégicos, como o incentivo às escolas de tempo integral e o lançamento de um programa anual de R$ 7 bilhões para combater a evasão escolar no ensino médio, por meio do pagamento de bolsas.
Os dados do Censo Escolar demonstraram progressos nas matrículas de creche, ensino integral e educação profissional. Em relação à alfabetização, que foi destacada como prioridade pelo ministro da Educação, Camilo Santana, houve adesão de todos os estados e 99,2% dos municípios ao novo programa lançado em junho de 2023.
Houve, ainda, melhorias nos investimentos federais no ensino profissional, com um aumento de 4% em relação a 2022. Os investimentos nas instituições federais de ensino superior foram ampliados em 6% em comparação ao último ano do governo Bolsonaro e o governo também aumentou o valor das bolsas de pós-graduação e o número de beneficiários, principalmente nas bolsas de doutorado. Além disso, os recursos destinados à educação em tempo integral foram consideravelmente maiores em 2023 do que no ano anterior.
Saúde
Na área da saúde, no primeiro ano de Bolsonaro houve desempenho positivo em três indicadores de saúde, enquanto oito apresentaram desempenho negativo. Um dos dados negativos foi a diminuição do número de médicos na atenção básica, algo que não ocorria desde 2011, assim como a redução de agentes comunitários de saúde. A diminuição de médicos se deveu à decisão do governo de não renovar contratos do programa Mais Médicos, o que refletiu a diminuição dos atendimentos na atenção básica em diversas regiões do país, onde ainda há escassez desses profissionais, conforme apontado à época pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Durante o primeiro ano de governo de Lula, houve desempenho positivo em oito dos dez indicadores analisados, com estabilidade em um e desempenho negativo também em um indicador. O único indicador que apresentou piora foi a situação da dengue no país, enquanto a cobertura das vacinas do calendário básico infantil permaneceu estável.
Dentre os indicadores positivos, destaque para o número de médicos da estratégia de saúde da família que passou de 29 mil para 35,6 mil; e o o contingente de agentes comunitários que foi de 287,6 mil em 2022 para 292 mil em 2023. Registrou-se também avanços nos índices de mortalidade infantil e materna: uma queda de 32,2 mil para 30,5 mil mortes infantis e de 69 mil para 62 mil mortes maternas entre 2022 e 2023, respectivamente.
Além disso, os números de procedimentos médicos realizados também apresentaram um crescimento importante. Houve um aumento de 714 milhões para 755 milhões de procedimentos, como atendimentos e exames de diagnóstico, entre 2022 e 2023.
Meio Ambiente
Em 2019, os incêndios aumentaram em todas as áreas do Brasil, especialmente no Pantanal, na fronteira com a Bolívia, onde se multiplicaram por seis, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O pior mês para a Amazônia foi agosto de 2019, com 30.901 incêndios, provocando críticas de líderes mundiais. Bolsonaro foi acusado de desmantelar políticas ambientais e de incentivar atividades ilegais, como a exploração de recursos minerais em terras indígenas. O desmatamento na Amazônia atingiu o pior índice em uma década, com 9.700 quilômetros quadrados perdidos entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com o INPE.
No primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, houve redução significativa no desmatamento da Amazônia e avanços em políticas climáticas. Segundo dados do sistema Deter do INPE, o desmatamento na Amazônia caiu pela metade, indo de 10.048 km² em 2022 para 4.976 km² em 2023, o que representa o melhor resultado para o período desde 2018.
Por outro lado, o desmatamento no cerrado aumentou em 41% nos últimos 11 meses, chegando a 7.373,6 km² em 2023. Em resposta, o governo lançou o PPCerrado, uma política pública para combater essa situação. Além disso, foram reativados os conselhos participativos que regem o Fundo Amazônia, possibilitando a retomada de doações e a ampliação de projetos apoiados.
O Conama também passou por uma grande reestruturação, ampliando o número de membros e aumentando a participação da sociedade civil.
Segurança Pública e Rodovias
No primeiro ano de Jair Bolsonaro, facilitou-se o acesso às armas de fogo com a publicação de decretos para tornar mais acessível a posse e o porte de armas. Além disso, Bolsonaro enviou ao Congresso um pacote anticrime e um projeto para isentar militares e policiais que cometem crimes durante operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). Apesar das controvérsias, em 2019 houve uma redução de 22% nos homicídios dolosos e latrocínios, entre outros crimes.
No início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva decretos foram publicados para restringir a emissão de novos registros de armas no Brasil. Isso resultou em uma queda significativa no número de registros, com apenas 28.328 em comparação com os 135.335 registrados no último ano do governo Bolsonaro e os 185.497 em 2021.
De acordo com o relatório do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública) do Ministério da Justiça, o ano de 2023 apresentou uma redução nos casos de homicídios dolosos. Em 2018, foram registrados 48.965 casos, enquanto em 2022 esse número caiu para 38.932 e, em 2023, para 37.602. Em termos de segurança viária, o aumento no número de mortes nas estradas foi um desafio enfrentado no primeiro ano de mandato tanto no governo Lula quanto no governo Bolsonaro. Apesar dos esforços na implementação de políticas de prevenção de acidentes, questões como o descumprimento das normas de trânsito continuaram a contribuir para a trágica estatística de fatalidades. Tanto o ano de 2019 quanto o ano de 2023 apresentaram pioras em relação aos anos anteriores.
Em 2019, o número de mortes nas estradas federais em decorrência de acidentes cresceu 1,2% em comparação com 2018, registrando 5.332 óbitos. Em 2023, também houve um aumento, passando de 5.439 mortes em 2022 para 5.615 em 2023, de acordo com os dados da Polícia Rodoviária Federal.
Relações Internacionais
Os primeiros anos dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) e Jair Bolsonaro apresentaram diferenças marcantes em suas abordagens de política externa. Lula teve quase quatro vezes mais encontros com líderes mundiais do que Bolsonaro, demonstrando uma forte presença internacional e uma abordagem diplomática robusta.
A interação frequente refletiu o foco de Lula em fortalecer as relações internacionais do Brasil e capitalizar questões como o meio ambiente e os direitos sociais. A agenda internacional de Bolsonaro foi muito mais limitada.
Conclusão
Considerando a ampla gama de dados e análises setoriais apresentadas, é evidente que, embora ambos os governos tenham enfrentado desafios distintos, o primeiro ano do governo Lula demonstrou uma abordagem mais eficaz na promoção do desenvolvimento socioeconômico e na efetivação dos direitos sociais e políticas públicas.
Apesar da persistente e irracional polarização política que tem caracterizado o Brasil nestes tempos, a preferência dos brasileiros pelo governo Lula em relação ao governo Bolsonaro reflete a avaliação política comparativa das duas gestões. De acordo com uma pesquisa do PoderData de dezembro de 2023, quase metade dos eleitores (49%) considerava o governo de Lula "melhor" do que o de Bolsonaro. Por outro lado, 38% dos entrevistados consideraram o governo atual "pior" que o anterior. Esses números evidenciam que a percepção pública acompanha a análise dos indicadores, pelo menos até agora.